Ocupou, durante onze anos, a posição de autarca da sua cidade-natal, Torres Vedras, e é hoje o Secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território, após ter exercido funções como Secretário de Estado das Autarquias Locais no anterior governo. Em conversa com O Municipal, debate a estratégia nacional de combate à corrupção, a influência da descentralização de competências e o papel da ATAM no contexto do poder local.
De acordo com o Índice de Perceção da Corrupção de 2021, elaborado pela Transparency International, Portugal subiu um lugar no ranking, mas é, ainda assim, uma posição pouco satisfatória. Apontam-se, aliás, várias falhas no combate à corrupção. Como é que vê o estado do País neste contexto?
Não diria que seja uma posição “insatisfatória”, mas todos temos a obrigação de fazer mais e melhor. Portugal tem uma pontuação, 62, muito próxima da média europeia, 66 e superior a países como a Espanha, Itália ou a Grécia. Agora, teremos uma democracia mais forte, quanto mais transparente e escrutinada esta for.
Que iniciativas a Secretaria de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território ou o Governo está a pensar desenvolver relativamente ao combate à corrupção no âmbito das Autarquias Locais?
O Programa do Governo não é, como não podia deixar de ser, omisso quanto a esta matéria que a todos exige um grau de alerta constante. Objetivamente, foi criado o Mecanismo Nacional Anticorrupção, órgão que está a ser instalado, tendo sido nomeado recentemente presidente o Juiz Conselheiro Jubilado do STJ, António Graça. Medidas transversais como o SIMPLEX trazem maior transparência e escrutínio ao funcionalismo público ao mesmo tempo que agiliza procedimentos, facilitando o acesso das pessoas ao mesmo. A possibilidade de se vir a fazer referendos locais por iniciativa das Autarquias ou de um conjunto de cidadãos, está em cima da mesa e ajuda a melhor envolver as pessoas nas decisões coletivas. Uma das novas medidas do novo Regime Geral da Prevenção da Corrupção institui novos canais de denúncia, que serão coordenados por um elemento de direção superior ou equiparado, que deve exercer funções de forma independente.
O que é que deve ser feito para evitar situações de conflitos de interesses nestas figuras com responsabilidade pelo cumprimento normativo, que também terão de gerir os canais de denúncias?
A Lei n.º 93/2021 define as orientações nesta matéria. Agora, sem dúvida que a confidencialidade tem de ser assegurada e o anonimato preservado em todas as circunstâncias. Terá de haver o cuidado de nomear funcionários autárquicos para cumprirem estas funções que tenham uma noção de ética inabalável e que estejam fora dos canais de decisão mais expostos ou vulneráveis a tentativas de corrupção. No caso das autarquias que não sejam considerados entidades abrangidas, isto é, que não empreguem 50 ou mais trabalhadores, devem adotar instrumentos de prevenção de riscos de corrupção e infrações conexas adequados à sua dimensão e natureza, incluindo os que promovam a transparência administrativa e a prevenção de conflitos de interesses.
Medidas transversais como o SIMPLEX trazem maior transparência e escrutínio ao funcionalismo público
Que medidas a Secretaria de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território ou o Governo, prevê adotar para apoiar as Autarquias Locais, nestas situações?
Excecionando o Município do Corvo, estamos aqui a falar de juntas de freguesia, ou melhor, da grande maioria das juntas de freguesia. Estas autarquias encontram na DGAL o apoio que necessitam nesta e noutras matérias.
De acordo com o Regime Geral de Proteção de Denunciantes de Infrações, as autarquias locais podem cooperar entre si no estabelecimento de canais de denúncia. Considera que esta cooperação pode fomentar a coesão territorial?
A cooperação autárquica é sempre de enaltecer e quanto maior for a troca de informação, maior é a prevenção. A coesão do território também se faz por aqui. Podem ser denunciadas infrações relativas a domínios como Contratação Pública, Segurança dos Transportes, Proteção do Ambiente ou Saúde Pública.
Que áreas que considera serem mais suscetíveis de infrações?
Os riscos de infração são transversais, porém as autarquias intervêm com maior intensidade e competência em áreas como a contratação pública ou contratação de recursos humanos e menos na Proteção do Ambiente ou na Saúde Pública. É nas áreas em que há maior intervenção e poder de decisão que se deve mais apostar na prevenção e fiscalização. Só assim teremos uma Administração Pública credível e saudável.
Outra novidade é o Mecanismo Nacional Anticorrupção. Como se prevê a articulação da Secretaria de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território com o Mecanismo Nacional Anticorrupção (MENAC)?
Estando nós integrados num Ministério transversal, o nosso dia a dia é de cooperação constante com os outros organismos da administração pública, seja ela, central, regional ou local, pelo que o Mecanismo Nacional Anticorrupção não será uma exceção.
Face à sua experiência enquanto autarca e Secretário de Estado, qual o balanço que faz da integração da extinta Inspeção-Geral da Administração Local na Inspeção Geral das Finanças?
Pessoalmente, acho que foi uma perda para a qualidade do serviço prestado pelas autarquias. Porém, temos que viver com a realidade existente e temos vivido e convivido bem com ela, uma vez que a cooperação com o Ministério das Finanças, nesta matéria, é irrepreensível. O Ministro das Finanças exerce a direção sobre a Inspeção-Geral das Finanças, em coordenação com a Ministra da Coesão Territorial no âmbito do exercício da tutela inspetiva sobre as autarquias locais, as demais formas de organização territorial autárquica e o setor empresarial local.
Não entende que as específicas características da Administração Local reclamam uma atenção diferenciada que capte, para além do controlo da administração financeira da receita e da despesa públicas, as dimensões da ética e da transparência associadas ao exercício de funções em órgãos e serviços de autarquias locais?
Como disse atrás, a extinção da IGAL foi uma perda para a qualidade do serviço prestado pelas autarquias, porém, tanto a IGF como a IGAMAOT estão bem apetrechadas de recursos humanos conhecedores da realidade autárquica.
De que forma é que o processo de descentralização em curso poderá ter influência estratégica no combate preventivo à corrupção?
Na minha ótica terá essa influência positiva porque a proximidade dos serviços aos cidadãos, acarreta sempre, um maior escrutínio, maior exigência e mais fiscalização por parte destes. Assim, os Municípios criem canais próprios para que os munícipes se pronunciem e olhem para estes como agentes de progresso e de evolução do sistema e não como vozes da “oposição”.
Considera que a formação é uma importante medida preventiva no combate à corrupção? Deverá ser esse o papel de associações e organizações como a ATAM?
A ignorância é a mãe de muitos vícios, alguns bem nocivos à sociedade, pelo que tudo o que se possa investir em formação dos funcionários e dirigentes, é bem vindo e ajudará a prevenir atos ou tentativas de corrupção. A ATAM há muito que tem tido um papel ativo na formação de dirigentes, o qual é reconhecido por todos.
A descentralização de competências é uma influência positiva porque a proximidade dos serviços aos cidadãos acarreta sempre um maior escrutínio
O tema tem sido alvo de várias formações e debates promovidos pela ATAM que irá, organizar, dois grandes eventos que terão também a corrupção com ponto central, o Encontro Nacional de Dirigentes Autárquicos (ENDA) e o Colóquio Nacional, onde também estará presente. Qual a importância de associações como a ATAM no contexto do Poder Local?
Enquanto autarca e agora como membro do Governo, sempre vi na ATAM uma parceira numa maior transparência e agilização da administração pública, não esquecendo o papel que tem tido numa maior uniformização de procedimentos administrativos, tão importante para o utente, para o cidadão.
No âmbito do seu plano de ação, a ATAM está em vias de propor às freguesias a celebração de um contrato de cooperação, tendo como objetivo o acesso aos serviços de apoio técnico disponibilizados pelo Gabinete Jurídico da ATAM. Qual a sua opinião sobre o mérito desta iniciativa?
As Freguesias poderão sair valorizadas no seu papel com esta parceria? Dificilmente haveria melhor propósito para terminar esta entrevista. O Governo aposta muito nas Juntas de Freguesia como os parceiros mais próximos das pessoas e dos territórios. Porém, temos consciência das suas fragilidades em termos de informação administrativa e jurídica. O apoio sugerido, protocolado com a ANAFRE, para além de ser uma grande notícia, constituirá numa ferramenta da maior utilidade para as Juntas de Freguesia que o Governo aplaude.
Entrevista publicada no número 435 da revista O Municipal.